Silêncio

por Anthony Strano

Anthony mostra o caminho para uma conversa com Deus.

Quando o silêncio é profundo, transbordando de plenitude, quando já não resta qualquer desejo pelo som, quando há uma total concentração no Único, então, como uma seta, o pensamento atinge e funde-se ao alvo aí, a alma humana não tem apenas um vislumbre de Deus, ela é absorvida pela pureza desse Ser; de uma forma total, completa e absoluta. Preenchida pela luz pura que se tornou agora o seu próprio ser, a alma irradia essa energia na forma de paz e amor para os outros; um farol vivo.

O silêncio é a ponte de comunicação entre Deus e o divino que há no ser humano. O silêncio é onde eu encontro aquilo que há de mais precioso.

O silêncio espiritual é a posição em que o coração e a mente se devem encontrar, de modo a estarem preparados para comunicar com o Único. Não é uma comunicação baseada em palavras repetidas, nem em teorias intelectuais, nem em fazer pedidos para preencher os desejos limitados. A comunicação sagrada é a harmonização do ser original com o Ser Eterno.

O silêncio espiritual dá-me a energia pura e altruísta, diretamente da Fonte Criativa, para romper o casulo da confusão e da rotina, abrindo-me os horizontes ilimitados de uma nova visão. Para libertar o eu da negatividade, preciso de silêncio; absorto na sua profundidade, renovo-me. Nesta renovação, a mente torna-se clara, permitindo uma perceção diferente da realidade. A perceção mais profunda de todas é a da minha própria eternidade.

A prática do silêncio é tão necessária para viver, assim como a respiração é para a vida física. A força para viver precisa de encontrar um estado de tranquilidade, do qual eu possa partir e retornar todos os dias: um oásis de paz interior. O silêncio leva a minha energia mental e emocional a um ponto de concentração, onde posso permanecer em calma. Sem esta quietude interior, eu transformo-me numa marionete puxada para aqui e para ali, pelos diferentes fios das influências externas. Este ponto interno de tranquilidade é a semente da autonomia, que corta os fios; e então a perda de energia cessa.

O silêncio cura. O silêncio é como um espelho; onde tudo é claro. O espelho não acusa nem critica, mas ajuda-me a ver as coisas tal como elas são, dando-me o diagnóstico que me liberta de todo o tipo de pensamentos incorretos. Como é que se consegue isto através do silêncio? O silêncio reaviva a paz original do eu; uma paz que é inata, divina e, quando invocada, flui através de cada ser, harmonizando e recuperando todo o desequilíbrio. O silêncio é completo e preenchedor; de forma poderosa, gentil e consistentemente ativo.

Para criar silêncio, tenho de me voltar para dentro. Ligo-me com o meu eu eterno: a alma. Neste lugar de perfeita tranquilidade, como num útero intemporal, o processo de renovação e reestruturação começa; lá, um novo padrão de energia pura é criado.

Neste lugar introspetivo, reflito. Recupero aquilo que ficou esquecido durante muito tempo. Concentro-me devagar e gentilmente e quando isso acontece, os registos espirituais originais de amor, de verdade e de paz, emergem e são sentidos como realidades pessoais e eternas. Desta forma, a qualidade começa a entrar na nossa vida. A qualidade é a proximidade àquilo que há de mais puro e verdadeiro dentro de nós. A qualidade é o princípio de um pensamento mais iluminado e de uma ação mais íntegra. Neste espaço, o silêncio ensina-me a escutar, a desenvolver uma maior abertura em relação a Deus.

Este escutar leva-me à posição correcta, abrindo o canal da recetividade. A recetividade alinha-me com a realidade de Deus; um alinhamento imprescindível, se eu quiser conhecê-Lo realmente e estar em harmonia com Ele. Com a recetividade, eu tenho que me limpar de mim próprio. Preciso de ficar limpo, nu, simples, desnudado de artificialidade e então, a comunicação genuína inicia-se.

À medida que ouço, eu recebo. À medida que recebo, sinto e reflito, e gradualmente caminho em direção à concentração. A concentração é quando me encontro completamente absorvido num pensamento. Onde há amor, a concentração é natural e constante, tal como a chama serena de uma vela irradiando a sua aura de luz. O pensamento no qual estamos absorvidos transforma-se no nosso mundo. Quando a mente humana está absorta no pensamento de Deus, a pessoa sente-se ressuscitada; a harmonia da reconciliação é sentida profundamente. Neste silencioso elo de amor, sentimo-nos completamente reconciliados, não como um processo intelectual, mas como um estado de ser. Eu desperto. Neste despertar é onde me torno totalmente consciente da Verdade e, simultaneamente, torno-me consciente das ilusões que existem em mim e à minha volta e do esforço necessário para as remover.

Este despertar permite-me reagir e receber aquilo que normalmente nem notaria, tanto a nível natural como sobrenatural. Nesta vigília, neste estado elevado de conhecimento, a pessoa espiritualiza o eu; ele ou ela torna-se um ser verdadeiro. No silêncio, os raios invisíveis e subtis do pensamento concentrado, encontram Deus – este é o poder do silêncio; isto é muitas vezes chamado de “meditação”. O som não consegue atingir este encontro com Deus. Através de canções e cânticos, o som pode apenas louvar e glorificar a proximidade da união com o Divino, mas não pode criá-la. Apenas o silêncio cria a experiência prática da união.

O silêncio concentrado é o foco, sem fala, da pura atenção no Único. O amor por este Ser Único torna o foco fácil e firme, preenchedor. Esta proximidade do eu com o Supremo, inspira inevitavelmente o desejo de mudança no eu; inspira a melhoria no eu, para tornar o eu digno, ao preencher o seu potencial original; e onde quisermos, partilhar os frutos deste potencial realizado com os outros. Essa partilha não necessita de muitas palavras, pelo contrário, faz-se através da integridade do exemplo pessoal.

No silêncio, o objectivo mais profundo da consciência é o desejo de conseguir a perfeição pessoal. Este desejo é o resultado de um fluxo divino de energia, que entra na consciência humana e a leva a acreditar na sua própria dignidade. A perfeição pessoal é aceite como sendo possível. É a fé que Deus deposita na alma, como um presente. A possibilidade da perfeição é aceite, porque a alma sabe que não está sozinha neste empenho, que tem constantemente o suporte do Amor Divino para alcançar o seu objetivo.

Nesta ligação com Deus, a alma está preenchida e sente-se plena; ela encontrou aquilo que procurava. O Amor Divino funciona especialmente através do silêncio; a alma desperta do seu sono da ignorância e regressa à vida, como na história da “Bela Adormecida”. A alma é a “Bela Adormecida”, Deus é o príncipe e a ignorância é a bruxa que lança o feitiço do sono sobre a princesa. O amor de Deus pela alma é tal, que nenhum tipo de escuridão ou barreira é capaz de pará-lo, mas que alcança a alma para a acordar, trazendo-a de volta à vida, de volta à realidade. O amor quebra o feitiço de ferro.

É através do Amor que eu, como alma, desperto e reconheço a minha eternidade. A minha realidade é, de longe, muito mais do que a minha aparência material. A minha eternidade é a minha realidade. Esta é a verdade da minha existência. Em grego, a palavra para alma é “alithea”, que significa “a não esquecer”. O ser humano está sob um grande esquecimento; uma amnésia de espírito. Eu não consigo atingir o estado de despertar da consciência, o meu verdadeiro estado com as minhas próprias capacidades intelectuais. Chegar à Verdade não é uma questão de esperteza. Eu só posso despertar quando Deus me ajuda a recordar. Recordar é o verdadeiro conhecimento; é a Verdade.

Para alcançar a mudança interior, o silêncio tem de ser preenchido de amor, não só de paz. Muitos pensam que é suficiente experimentar apenas paz no silêncio da meditação, para conseguir a transformação da consciência. A Paz estabiliza; a paz harmoniza e gentilmente aquieta. A Paz é a base. Contudo, o Amor inspira de uma forma ativa; o Amor move o Universo. O Amor conduz todas as coisas à sua liberdade e felicidade originais.

Tanto a Paz como o Amor são necessários, e na sua forma arquetípica, vêm de Deus, a Fonte Universal e imutável. É este silêncio preenchido com Deus, que restaura o ser humano e o planeta ao seu estado original.

No silêncio, apercebemo-nos de que não é apenas um retorno às raízes, mas mais do que isso, é um retorno à Semente, ao Início; é um retorno a Deus, a mim mesmo, um retorno ao relacionamento perfeito.

Artigo extraído do livro “The Alpha Point” (O Ponto Alfa), de Anthony Strano, publicado pela Brahma Kumaris Information Services Lda, Londres 1998.